Imprensa

A casa grande

Este livro é um verdadeiro manifesto de cidadania. Lá dentro encontrarás temas cheios de significados, como as diferentes línguas, culturas, cores e crenças religiosas. De uma forma estimulante e criativa, claro.

A partir das ilustrações de Ricardo Rodrigues, João Manuel ribeiro traça nesta “casa Grande” um caminho largo para que todos possam ser cidadãos melhores e mais atuantes.

A Casa Grande do título, como já devem ter percebido, é afinal o nosso planeta. Um espaço comum, partilhado por pessoas tão diferentes, que, por isso mesmo, tem de ser respeitado também por todos, sob pena de deixar de ser um sitio habitável.

Sérgio Almeida (JN TAG de 01.10.2017)


Em A Casa Grande, João Manuel Ribeiro apresenta-nos um Manifesto de Cidadania em prosa, género pouco habitual no escritor, muito embora formalmente nos seja apresentado como se de um poema se tratasse.

Logo nas primeiras palavras percebemos como tudo começou: «um dia, um homem teve o sonho de construir uma Casa Grande, sem portas nem janelas» (p. 6), que a todos desse abrigo, indiscriminadamente. Nas páginas seguintes, esse espaço de utopia é descrito de forma acessível, simples e sensível e são enumeradas as condições de acesso e permanência num espaço tão especial. O escritor recorre à repetição da expressão «Na Casa Grande», em todos os inícios de mancha de texto, página a página, imprimindo ritmo, cadência e uma certa musicalidade ao seu manifesto. A sua costela de poeta transparece em muitos exemplos, mas escolhemos o que se segue porque nos conquistou de modo particular: «O perfume intenso do humano / encharca e regula as decisões / de cada cidadão da Casa Grande» (p. 23).

A publicação aborda temas plurissignificativos como as diferentes línguas, latitudes, culturas, cores e crenças religiosas, contribuindo assim para o alargamento dos horizontes dos leitores. Deste modo, ao considerar «pensamentos» e «qualidades» (p. 16) como características a contabilizar para se ser rico o escritor consegue ampliar o conceito de riqueza, por vezes ainda pouco abrangente, no imaginário dos mais novos.

O escritor apela aos pequenos leitores e «(ainda) […] meninos de verdade» (p. 5) à sua generosidade e humildade sugerindo a partilha de tudo, seja material ou imaterial, como acontece com os sentimentos amor, verdade e perdão estimulando-os à sua prática e proliferação. Convida-os a participar neste desafio que é o combate pela conquista de uma linguagem universal, nova e comum a todos aqueles que respeitam a diferença e a diversidade.

A colaboração de João Manuel Ribeiro e Ricardo Rodrigues transformou-se numa verdadeira parceria pela forma harmoniosa e cadenciada com que palavra (texto verbal) e imagem (texto visual) se conjugam e se fundem num só texto. As ilustrações de Ricardo Rodrigues, de uma forma particularmente feliz, recriam os momentos-chave do texto. Veja-se por exemplo a genialidade com que o ilustrador interpretou o crescimento/envelhecimento, (con)centrando-o numa só personagem, recordando o leitor de que «a idade não se mede em anos mas em intensidade» (pp. 30 e 31). Assim como o texto visual também contempla aspetos que a componente verbal não inclui, veja-se neste caso a ilustração onde é retratada uma cidadã da Casa Grande (p. 21) quando o texto refere tão-somente um cidadão masculino. A tensão da tradução e interpretação do ilustrador é geradora de outras leituras completando e enriquecendo a publicação. Ricardo Rodrigues socorre-se de uma linguagem plástica contrastante, utilizando a colagem (ainda que subtil) para a simulação de padrões de vestuário, prestando especial atenção ao detalhe formal de cada personagem criada, à interacção entre personagens e seus contextos, valendo-se de uma paleta de cores vibrantes, combinada com especial sensibilidade e bom gosto. Somam-se ainda os diferentes pontos de vista que se podem ler em cada página assim como na sequência de páginas imprimindo ritmo na leitura.

Nos livros ilustrados de literatura para a infância descobrimos um diálogo entre três linguagens diferentes: a do texto escrito, a da ilustração e a do design gráfico. Neste caso, a linguagem visual (a ilustração em diálogo com o texto na paginação), longe de limitar as hipóteses de leitura da linguagem escrita, colabora com ela, de maneira cúmplice, para a construção de sentidos plurais. É disso um bom exemplo a leveza e poesia que podemos sentir, também visualmente, pelas opções de translineação adotadas e de colocação do texto na página, responsabilidade assumida pelo designer.

O resultado desta (evidente) colaboração a três mãos é um livro sinérgico de fruição fluida, rico de informação cromática e formal diversificada, ao mesmo tempo organizado de modo expressivo, variado e, por isso, equilibrado.

A Casa Grande é um álbum metafórico onde se pode aprender a ser um maiúsculo cidadão que sonha sem medo de envelhecer e vive com intensidade.

Resta apenas desejar que os seus leitores abracem este manifesto e façam dele a sua bitola.

Gabriela Sotto Mayor, Malasartes – Cadernos de Literatura para a Infância e Juventude, n.º 19.