Entrevista a As Artes entre as Letras

O futuro da minha escrita será o que for sendo

Dez anos de vida literária que tem vindo a assinalar com uma série de iniciativas, nomeadamente as Tertúlias na Velhotes. Estas sessões têm sido um encontro com os seus leitores ou têm sido momentos de outros encontros?

Ambas as coisas. As Tertúlias na Livraria Velhotes, apesar dos convidados e do moderador, são informais; servem para que haja encontro de uns com os outros, de cada um com o convidado e com o tema tratado. Neste sentido, têm sido momentos de outros encontros, porque surpreendentes; não porque aprendamos algo de substancialmente novo, mas porque alguém, a quem reconhecemos alguma competência, diz-nos algo de forma nova e, sobretudo, pessoal, e isso constitui, pelo menos para mim, um desafio a pensar.

As Tertúlias têm também sido um encontro com os meus leitores na medida em que muitos professores bibliotecários (e não só) têm estado presentes e, neste aspeto, as Tertúlias são, de certo modo, uma forma de os brindar com uma forma de presença e atenção que se situa para além do mero encontro com os alunos na escola. Funciona como um encontro especialmente destinado aos professores e aos amigos. Para mim, as Tertúlias têm sido um espaço muito enriquecedor e próximo. Creio que para quem tem participado também,

Sendo a poesia a sua paixão, é na literatura Infantojuvenil que se tem distinguido: mais de 50 livros editados, muitos recomendados pelo Plano Nacional de Leitura e muitos traduzidos e editados no estrangeiro. São factos que falam por si. São motivo de orgulho ou de responsabilidade? Isso define o seu futuro na escrita?

Os livros publicados, recomendados e traduzidos são o reflexo de um caminho e de um trabalho desenvolvido com muita paixão, pela poesia, pela literatura, pelas palavras e pela beleza. Tenho, hoje, orgulho no caminho percorrido e sinto-me responsável por cada um dos livros publicados, uma responsabilidade parecida com a de O Principezinho, na medida em que me torno responsável por cada um dos meus textos (poemas ou não) que agarram e cativam o pequeno leitor. Não se trata de uma responsabilidade que aprisiona, mas de uma responsabilidade que liberta, emociona e capta a benevolência do leitor.

Não posso avaliar se o caminho feito e a responsabilidade perante os meus leitores definirá o meu futuro na escrita. Honestamente… não sei. Acredito, porém, que alguma coisa do passado vive no futuro que construímos e, nessa medida, admito que sim. Por outro lado, a dívida de gratidão que tenho para com os meus leitores não restringe a minha liberdade nem a minha criatividade. Em suma, o meu futuro na escrita será o que for sendo e o que a vida me permitir.

Tendo sido o Dia Internacional do Livro Infantil o pretexto para esta entrevista, que importância atribui à efeméride? Costuma assinalar o dia de alguma forma especial?

O Dia Internacional do Livro Infantil, celebrado a 2 de abril, tem a desvantagem de calhar, quase sempre, em período de interrupção letiva da Páscoa o que, a meu ver, não só diminui as possibilidades de celebração festiva do dia, como, sobretudo, impossibilita que aqueles a quem o dia é destinado o possam celebrar efetivamente. Neste contexto, não tenho assinalado o dia como julgo que deveria ser celebrado. Contingências do calendário (escolar)! Todavia, parece-me que terei eu e demais mediadores da leitura de repensar as estratégias para que o dia seja de encontro do Livro Infantil com os seus destinatários, os pequenos leitores. Havia, porventura, que congregar neste dia, mesmo sem escola, os alunos e os seus pais para um evento celebrativo de leitura… um happening, um recital de poesia… sei lá… algo que pudesse lembrar que nesse é dia de aniversário do livro com o qual convivemos cada dia.

Portugal tem boa Literatura Infantil?

Considero que a literatura infantojuvenil portuguesa atravessa um bom momento, tendo merecido além-fronteiras reconhecido êxito, seja pelo crescente número de traduções, seja ainda pela divulgação em feiras internacionais, como a de Bolonha, por exemplo. Têm surgido alguns novos autores com reconhecido mérito e outros consolidado a sua carreira, a par de algumas incursões editoriais inovadoras.

Um facto novo e específico acrescenta valor a este tipo de literatura: a inevitável simbiose entre escritores e ilustradores na produção do livro como objeto belo, artístico e apetecível aos leitores.

Poderia, seguramente, citar uma quantidade significativa de autores consagrados e novos que atestam que, em Portugal, há muito boas literatura para crianças e jovens.

Li numa entrevista sua: “Parece-me que aumentou a literacia, mas não a literacia literária. Talvez porque não tenha havido uma consistente educação literária”. O que é que está a falhar?

Não sei exatamente o que está a falhar. Todavia, ouso pensar que o segredo estará na palavra “consistente”. Fruto do tempo que vivemos e da cultura mediática e imediatista em que nos inserimos, tende-se a pensar e a reclamar eficácia sem o consequente e necessário tempo e processo de amadurecimento. Ter-se-á de contar com a resistência à intensidade, densidade e opacidade próprias do texto literário, mesmo para crianças, porque a literatura obriga ao «trabalho da consciência», na expressão de Jean-Pierre Siméon.

A educação literária é um processo largo e demorado, que reivindica a paciência dos mestres e dos aprendizes, que reclama mais descoberta e aprendizagem do que ensino. Creio que o mais importante, neste processo, é proporcionar o “ambiente” para que a educação literária se faça por osmose. Se assim for, a literacia literária far-se-á seguramente. Ainda assim, para uma eficaz pedagogia literária havia que identificar (e superar) todos os mal-entendidos, captar a literatura como interrogação do mundo e de si mesmo, como matéria para viver e pensar, converter-se num «Passador de poemas», familiarizar-se coim o facto literário, escutar, ler, escrever e dizer literatura… E depois de feito tudo isto, talvez algo continue ainda a faltar, porque as pessoas crescem, as gerações mudam e a educação é um trabalho inacabado, ininterrupto, de sempre…