Livros

Meu Avô, Rei de Coisa Pouca

de João Manuel Ribeiro / Ilustração - Catarina Pinto

«Quando convoca afetos, João Manuel Ribeiro já nos habituou ao fluir poético de um discurso que tem sabor e cheiro a Vida reescrita pela Memória.

Assim acontece no volume – Meu avô rei de coisa pouca, em que se valorizam as relações intergeracionais, avô e neto, num ciclo de aprendizagens mútuas. É uma leitura para todos os que tiveram a sorte desses convívios reviverem o passado e um abrir de novas perspetivas de convivialidade para outros em tempos difíceis de egoísmo feroz.

Este avô, vivendo numa zona rural, embora de ofício metalúrgico, lega ao neto vivências multímodas, ora nas conversas no seu palácio, um espigueiro antigo para milho transformado em sala de trono, uma cadeira de ferro, ora nas pescarias e passeios conjuntos. O espigueiro insere-se numa casa agrícola minimalista, porém representativa do trabalho sazonal como as sementeiras e as esfolhadas. De grande criatividade, o avô transforma as ocorrências banais em grandes acontecimentos a que a cultura erudita do neto, mais tarde, empresta metaforicamente um brilho mitológico. Deste jeito, a bicicleta que é o transporte do avô para a fábrica onde trabalha não só anda como voa e galopa, o que acontece quando viajam os dois, pelos caminhos florestais montados no Pégaso.

Por outro lado, o amor dos avós é metaforizado pela romã, fruto que é preciso saborear devagar, pois a sua oferta é aos bagos. Também, pelos bichos que abundam no campo, a Arca de Noé está presente em muitas histórias contadas ao neto, verdadeiras fábulas existenciais. Tal como as árvores amputadas, a morte da avó Ilda concede uma curta sobrevivência ao companheiro de uma vida.

Todavia, ficou o seu trono, a cadeira de ferro, o lugar de rei de si mesmo; o espigueiro, sítio de viagens maravilhosas e fantásticas; e ainda a romãzeira, sinal de um amor indestrutível; e a cozinha ampla com lareira e forno, a mesa “… o lugar de todos os encontros e desencontros e consensos. À mesa celebravam-se a vida, as alegrias e as tristezas, tornavam-se as grandes decisões do reino e, sobretudo, abria-se a arca velha das histórias que era a memória do avô”.

A ilustradora, Catarina Pinto, coadjuva iconicamente o que o texto desvenda ou sugere, optando por um amarelo esmaecido de fundo a remeter para memórias vívidas em vez de sépia que invoca recordações estáticas em via de desaparecimento.

O design e a paginação de Anabela Dias, como é seu timbre, enriquece o desenrolar das memórias, utilizando as guardas para as mais duradouras em termos repetitivos porque únicas.

A partir dos 6 anos e… Para todos, especialmente os ignorantes dos afetos»

Manuela Maldonado, Solta Palavra 19, Boletim do Centro de Recursos e Investigação sobre Literatura para a Infância e a Juventude, secção «Favoritos», 2013.

 

Em 2020, o livro «Meu avô, rei de coisa pouca», na tradução eslovena, conquistou o Golden Pear Award (Zlata hruška), atribuído a livros de qualidade!

“Uma aproximação a Meu Avô Rei de Coisa Pouca e a percepção do gosto, da sensibilidade e dos valores que alimentam esta narrativa confirmam uma diferença estética, uma diferença que talvez possa encontrar a sua chave nas palavras de encerramento da obra: «Ao fim e ao cabo, no princípio de mim – o que sou, o que tenho, o que sonho e escrevo –, está o meu avô, rei de coisa pouca.» (idem, ibidem: 76). ”

Sara Reis da Silva, na apresentação do livro, Porto, a 5 de Fevereiro de 2011.