Palavra Comum Entrevista ao escritor português João Manuel Ribeiro

Palavra Comum: Que é para ti a literatura?

João Manuel Ribeiro: Seria muito cómodo ter uma resposta na ponta da língua ou arquivada na memória uma de antologia. A verdade é que a melhor que me ocorre é subtraída a Santo Agostinho que, no capítulo XI das suas Confissões, a propósito do tempo, refere que, se não lhe perguntarem sabe perfeitamente o que é, mas se lhe exigirem uma resposta não será capaz de a dar. Também o escritor e poeta argentino Jorge Luís Borges, no seu livro Este ofício de poeta (2002. Lisboa: Teorema), a propósito da poesia, diz: “se me perguntarem, então não sei” e explica, “conhecemo-la tão bem que não sabemos defini-la (…) assim como não sabemos definir o sabor do café, a cor vermelha ou amarela ou o significado da ira, do amor, ou do ódio, do nascer ou do pôr do sol (…). Estas são coisas tão fundas em nós que só podem exprimir-se mediante esses símbolos vulgares que partilhamos” (p. 22). Estamos perante a defesa da literatura como algo tão estrutural ou conatural à condição humana que não pode definir-se, sem se correr o risco de secundarizar a sua importância. Sei, porém, que a literatura é, para mim, um bem de primeira necessidade, tão fundamental que, sem ela, eu não seria o que sou e como sou. Sobretudo a poesia, esse género literário que não mora apenas nos versos, mas que convoca o coração e a inteligência para uma viagem de plenitude e sentido.

Palavra Comum: Como levas adiante o processo de criação literária?

João Manuel Ribeiro: Como um processo para o qual não tenho nenhum ponto de partida, meio ou de chegada definido. Acontece quase sempre por um impulso interior ou uma agressão exterior (convite/encomenda) que me põe a investigar, a escrever (às vezes, a reescrever(-me) e a sentir um desmesurado prazer por criar.

Palavra Comum: Qual consideras que é – ou deveria ser – a relação entre a literatura e outras artes (música, cinema, artes plásticas, etc.)? Que experiências tens, neste sentido?

João Manuel Ribeiro: Não devia ser uma relação, mas uma correlação, no sentido em que todas se convocam (ou deviam convocar) mutuamente para serem mais amplas e significativas. A polissemia / polifonia constitui (quase) sempre uma oferta de sentido provocadora. Como escrevo sobretudo para crianças e jovens, tenho tido alguma experiência de relação feliz com a ilustração. Ultimamente, também com a música nos encontros com os alunos, em escolas. Com o cinema ainda não, mas com o vídeo sim. Fiz também uma incursão pela poesia experimental com o livro TPC – Trabalhos Poéticos em Curso (no âmbito concreto do «Letrismo»)

Palavra Comum: Quais são os teus referenciais -num sentido amplo-? Quais deles achas que são desconhecid@s (ou preteridos) injustamente?

João Manuel Ribeiro: Considero como referenciais, em sentido amplo, os neorrealistas em geral, portugueses e não só, devido ao seu compromisso sociopolítico com a realidade. Inversamente, mas não contraditoriamente, Gianni Rodari e a sua Gramática (Estética / Ética) da Fantasia, devido ao seu realismo literário. A tradição oral e popular é outro dos referenciais para o meu trabalho literário, sobremaneira os jogos poéticos, as rimas infantis, cantilenas, trava-línguas, adivinhas, entre outros. Apesar de mais divulgado, este continua a ser injustamente um continente esquecido (e preterido, sim) que seria necessário recuperar no seu valor intrínseco e instrumental.

Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras e os escritores com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária hoje?

João Manuel Ribeiro: As redes sociais são hoje um caminho inevitável para a comunicação das obras e dos escritores com a sociedade. Em Portugal, extinguiram-se quase por completo dos jornais as páginas de crítica e cultura e resistem apenas algumas revistas literárias, circunscritas aos meios académicos. Neste quadro, as redes sociais apresentam-se como um caminho alternativo, com as suas possibilidades e os seus limites. Apesar de tudo, vejo com entusiasmo alguns projetos consistentes na área da comunicação das obras e dos escritores, ao nível das redes sociais. Temo, todavia, que estas ferramentas contribuam para o “apoucamento” de projetos literários consistentes (e exigentes, em termos estéticos e de leitura) em favor de uma literatura pret-à-porter, excessivamente light, acentuadamente intimista (cor de rosa?). Acredito, porém, que o trabalho com a palavra há de suscitar sempre caminhos literários inéditos. Haja quem os percorra, como criadores e como leitores!

Palavra Comum: Como vês a literatura portuguesa nestes momentos?

João Manuel Ribeiro: Salvaguardado o anteriormente dito, considero que a literatura portuguesa atravessa um bom momento, tendo merecido além-fronteiras reconhecido êxito, seja pelo crescente número de traduções, seja ainda pela divulgação em feiras internacionais, como Frankfurt e Madrid, por exemplo. Têm surgido alguns novos autores com reconhecido mérito e outros consolidado a sua carreira, a par de algumas incursões editoriais inovadoras.

Palavra Comum: Que perspectiva tens sobre Galiza e a sua vinculação com a Lusofonia? Que experiências de intercâmbios tiveste?

João Manuel Ribeiro: Tenho a impressão de que a Galiza quer uma vinculação acrescida com a Lusofonia. Temo que o contrário não seja verdadeiro, dada a supremacia do castelhano (espanhol, em termos editoriais). Acredito que tal vinculação seria benéfica e útil para a dinâmica literária de Portugal e da Galiza. Estabeleci largos e intensos intercâmbios com a Galiza, primeiro, por razões / questões académicas (pós-doutoramento em Santiago de Compostela e membro associado da LIJMI) e. agora, pelo facto de o meu livro «Meu avô, rei de coisa pouca» ter sido traduzido para galego, pela Hércules de Edicións, o que, entre outras coisas, me possibilitou o contacto com alunos galegos e algumas entrevistas a meios de comunicação da Galiza (TV e rádios). Tenciono aprofundar este intercâmbio codirigindo uma coleção de poesia, que editará, brevemente, livros de poesia em português e em galego, de poetas de ambos os países.

Palavra Comum: Que vínculos há, do teu ponto de vista, entre arte(s) e vida(s)?

João Manuel Ribeiro: Teríamos de precisar (refletir, filosofar) sobre o que entendemos por arte e por vida. Mas, porque isso não nos cabe aqui, em termos genéricos, diria que, a(s) arte(s) e a(s) vida(s) são indissolúveis! Não podem separar-se. Não (nos) serve uma arte morta (sem vida) e a vida (toda a vida) sem arte não é vida digna desse nome.

Palavra Comum: Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?

João Manuel Ribeiro: Não tenho projetos concretos. O único projeto é dedicar-me o mais que puder à escrita e à formação de leitores (de literatura, em geral, e de poesia, em particular). Ficarei feliz se o conseguir desenvolver.

Ramiro Torres

http://palavracomum.com/2017/06/30/entrevista-ao-escritor-portugues-joao-manuel-ribeiro/