Cartas a jovens escritores IV

Queridos Cristina e Carlos,


Quereis saber se a escrita é talento ou trabalho!? Que pergunta interessante e que mostra como têm andado a refletir sobre o que é, como acontece e se faz a escrita. Felicito-vos por isso.

No que à pergunta diz respeito, devo dizer-vos que escrever é algo que todos podem fazer, desde que o tenham aprendido. Mas o que querem saber, julgo eu, é se escrever bem, escrever literariamente, é talento ou trabalho. Pois bem, tenho de confessar-vos que considero que para escrever literariamente é preciso talento, entendido este como a apetência natural para (perseverar n)a escrita.

O talento tem-se, não se conquista nem se pode aprender ou comprar. Contudo, o talento, por si só, pode não ser suficiente para que estejamos na presença de um bom escritor. Como li algures, sem esforço, disciplina e técnica, o talento é tão inútil como uma lâmpada fundida. Mesmo reconhecendo que alguma “inspiração” há ou pode haver, pelo menos no início do processo criativo da escrita, esta não é, efetivamente, fruto da inspiração, nem uma revelação ou epifania, mas resulta antes de um trabalho cuidado.
Talvez esta afirmação desfaça o mito frequente de “ver” o escritor como um iluminado, guiado por uma musa, que não tem necessidade de esforço para escrever.

O escritor passa (deve passar) muito tempo a rever, aperfeiçoar, depurar, a “fazer tilintar” o rascunho que escreveu e essa é parte fundamental do seu trabalho. Não basta que a “ideia” do seu texto seja feliz, inédita (no sentido de “original”), mas torna-se necessário que esteja técnica e literariamente bem escrita, seja capaz de “agarrar” a atenção do leitor e, sobretudo, suscite emoções (ainda que contraditórias) no leitor.

Se a escrita é o trabalho do escritor e o livro é a sua obra, no sentido de única e original, é preciso que o escritor seja artífice da sua obra, ou seja, que exercite e domine a técnica, como precisam de o fazer tantos outros que produzem cultura e beleza. Por exemplo, os pianistas gastam largas horas do seu dia ensaiando, os pintores fazem inúmeros esboços antes da pintura, os dançarinos exercitam a técnica e a coreografia quase até à exaustão, os arquitetos desenvolvem um trabalho de pesquisa e trabalho de campo antes mesmo de traçarem qualquer risco. Enfim, uma obra que se quer original, além do talento que há para a sonhar, reclama esforço, disciplina e técnica – trabalho. Samuel Johnson di-lo de forma soberba: “O que é escrito sem esforço é lido sem prazer.”

Dito isto, é necessário afirmar que muito esforço, disciplina e boa técnica não são suficientes para que a escrita se torne literariamente qualitativa e, sobretudo, cativante e atrativa para o leitor.
Numa palavra, a resposta não é alternativa, mas antes supletiva, no sentido em que o trabalho pode orientar, corrigir, “exponenciar” o talento, (e)levando-o a outro nível – o da obra-prima.

Boas escritas!

Abraço grande,
João Manuel Ribeiro