Cartas a jovens escritores VI

Queridos Cristina e Diogo,


É verdade que quando escrevo prosa – histórias, contos, narrativas – gosto, frequentemente, de escrever na primeira pessoa. A razão é simples: eu gosto de estar dentro das histórias que escrevo, como personagem principal (como, por exemplo, em Meu avô, rei de coisa pouca, dado o carácter autobiográfico do livro) ou como personagem secundaria (como, por exemplo, em O senhor Péssimo é o máximo). A verdade é que eu gosto de saber tudo sobre a história que conto, de analisar as ações e os comportamentos das personagens e não apenas de mostrar o que é visível

Gosto de relatar os factos através do olhar de uma personagem, sabendo que, como narrador, sei apenas o que está ao alcance da personagem. Ao escrever na terceira pessoa, ao apresentar os factos como narrador não participante, o meu conhecimento, como narrador, confina-se ao que é observável, ficando, assim, a saber menos do que as personagens, a conhecer apenas o que observo do exterior, não tomando partido, nem exprimindo simpatias ou emitindo juízos de valor. Eu gosto que o narrador, porque “enxertado” numa personagem da história, tome partido, faça comentários e, em certo sentido, tome nas suas mãos o curso da narrativa.

Ainda que a minha preferência seja detetável em muitos dos textos que escrevi, como, aliás prova a vossa pergunta, importa dizer que em alguns livros, como não podia deixar de acontecer, escolho ser apenas um narrador observador, sem participar, como personagem, na história que narro, escrevendo, neste caso, na terceira pessoa.

E, às vezes, também é bom estar nas histórias, de fora.

Abraço grande,
João Manuel Ribeiro