Cartas a jovens escritores I!
Querida Cecília,
A pergunta que fazes – Por que gostas tando de escrever? – é uma daquelas que, muitas vezes, faço a mim mesmo, para encontrar o sentido do meu oficio de poeta e escritor. Podia apresentar-te uma pequena multidão de razões para dizer-te porque gosto tanto de escrever, mas creio que as três que aqui te deixo são, para mim, as mais importantes:
Escrevo porque me dá prazer.
Confrontar-me com a forma, o significado, o sentido das palavras (e até das letras) dá-me um prazer desmedido.
Descobrir e criar realidades que só existem porque existem palavras para as dizer é maravilhoso.
Saber que posso (re)criar personagens estranhas e mirabolantes, algumas a tocar a realidade, outras o coração da fantasia, é profundamente divertido.
Ver que algumas personagens ganham vida própria e impõem os seus modos, gestos e feitios é muito aliciante. Às vezes, descubro-me a olhar a vida e o mundo pelos olhos de um gato ou de um macaco, ou de um sem-abrigo, ou de um bicho de faz-de-conta. Já fui o Menino Jesus, um anjo cego, um rapaz com uma bicicleta de vento, um encanta-pardais voador, um rapaz sem orelhas de burro. Já tive uma bicicleta que era um cavalo alado, já tive uma casa grande, uma casa dos feitiços, já tive uma casa com o meu nome. Já fui à Grécia Antiga, encontrei-me com Pandora, com Pégaso, Orfeu, Dédalo, Ícaro, e tantos outros…
Além disso, poder limpar palavras, recolhê-las à noite, tratar delas durante o dia, cuidar das que precisam de ser limpas e acariciadas (de acordo com o poema de Álvaro de Magalhães) é de uma alegria incontida, apesar de interior e silenciosa.
Escrevo para não deixar morrer em mim a infância.
Creio, convictamente, que escrever para crianças é o modo que encontrei de tornar viva e presente a minha infância feliz, a forma que descobri de continuar a ser criança, e também de contribuir, segundo as minhas capacidades, para a felicidade das crianças.
Quando escrevo, em certo sentido, revisito e recrio a minha infância. Escrevo o que gostaria de ter lido. Escrevo o que gostaria de ter vivido. Escrevo e volto a ter o olhar de menino, volto a acreditar que o mundo é um lugar que vale a pena, volto a encontrar-me, de forma misteriosa, com a memória da terra e dos sonhos…
Escrevo para saber e para partilhar sentimentos, palavras e ideias.
Escrever é uma forma de «investigar» a realidade, mesmo aquela que só imagino, e de, em alguma medida, partilhar com os outros emoções que cabem em pensamentos e que se «mostram» em palavras, as palavras de que são feitos os poemas, os contos, as histórias.
Escrever é, como diz o poeta, a procura da ligação entre dois mistérios: o mistério do poeta/escritor e o mistério do leitor. Sim, porque escrever é uma forma amadurecida de ler, de reler, de tresler…
A verdade, Cecília, é que sinto que tenho de continuar a escrever (e a ler) porque sei ainda muito pouco do mundo. Escrever (e ler) é o melhor mapa que tenho para a grande aventura da vida!
Abraço grande,
João Manuel Ribeiro